Eu
vi a favela
Eu
vi
Lixo
do mundo
Eu
vi
No
morro sujo
Eu
vi
Nela
havia barraco
Que
não era barraco
Como
trapo se erguia
Dentre
mil outros trapos
Eu
vi um homem
Eu
vi
Resto
humano
Homem
não era
Eu
vi
Eu
vi
Por
entre os buracos
De
seu pobre barraco
Olhava
a vida
Cá
de fora, do mundo, da dor
Eu
vi o semblante
Do
homem
Eu
vi
Eu
vi sua face
Marcada
Eu
vi
Olhava
sem ver
Por
que olhos não tinha
Eram
órbitas negras, fundas
Vazias
como o estômago
Eu
vi sua mão
Eu
vi
A
mão da enxada, da pedra, do calo
Eu
vi
Eu
vi
Eu
vi
No
meio do morro há a favela
Não
a do samba, do poeta, de Momo
Mas
do suor, do sangue
Da
lágrima
Eu
vi a favela
Eu
vi
Quando
subi o morro
Eu
vi
Em
vão quis fugir
Eu
vi
Minhas
retinas gravaram
Aquilo
que eu vi
Inundou-me
a náusea
Do
excremento do mundo, dos despojos humanos
Eu
vi a fome
No
rosto inocente
Eu
vi
Eu
vi
Eu
vi a mão suplicante
Eu
vi
Ouvi
choro, praga, impropério
Vi
menina desonrada por um pão
Ouvi
prece entrecortada por soluço
Vi
animais que se vestem como homens
Eu
vi fé, vi descrença
Eu
vi
Eu
vi ódio, vi amor
Eu
vi
Eu
vi tudo e vi nada
Eu
vi
Ao
lado, a Bela Adormecida,
A
cidade indiferente
Pretende
um lugar ao sol
Mas
vegeta, omite-se, deteriora
Eu
vi uma favela
Eu
vi
Eu
vi céu, eu vi inferno
Eu
vi meu próximo
Eu
vi
8-09-1963
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