quinta-feira, 3 de abril de 2014

O Mundo Que Eu Vi




Eu vi a favela
Eu vi
Lixo do mundo
Eu vi
No morro sujo
Eu vi

Nela havia barraco
Que não era barraco
Como trapo se erguia
Dentre mil outros trapos

Eu vi um homem
Eu vi
Resto humano
Homem não era
Eu vi
Eu vi

Por entre os buracos
De seu pobre barraco
Olhava a vida
Cá de fora, do mundo, da dor

Eu vi o semblante
Do homem
Eu vi
Eu vi sua face
Marcada
Eu vi

Olhava sem ver
Por que olhos não tinha
Eram órbitas negras, fundas
Vazias como o estômago

Eu vi sua mão
Eu vi
A mão da enxada, da pedra, do calo
Eu vi
Eu vi
Eu vi

No meio do morro há a favela
Não a do samba, do poeta, de Momo
Mas do suor, do sangue
Da lágrima

Eu vi a favela
Eu vi
Quando subi o morro
Eu vi
Em vão quis fugir
Eu vi

Minhas retinas gravaram
Aquilo que eu vi
Inundou-me a náusea
Do excremento do mundo, dos despojos humanos

Eu vi a fome
No rosto inocente
Eu vi
Eu vi
Eu vi a mão suplicante
Eu vi

Ouvi choro, praga, impropério
Vi menina desonrada por um pão
Ouvi prece entrecortada por soluço
Vi animais que se vestem como homens

Eu vi fé, vi descrença
Eu vi
Eu vi ódio, vi amor
Eu vi
Eu vi tudo e vi nada
Eu vi

Ao lado, a Bela Adormecida,
A cidade indiferente
Pretende um lugar ao sol
Mas vegeta, omite-se, deteriora

Eu vi uma favela
Eu vi
Eu vi céu, eu vi inferno
Eu vi meu próximo
Eu vi




                                   8-09-1963

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