quinta-feira, 3 de abril de 2014

Ela Só




Maria era só
Só no mundo
Só no amor
Mas guardava para si
Toda a desilusão

Maria trabalhava
Para viver
Pois era ela só
A cuidar de seu
Maltratado corpo

Maria lavava
Lavava roupa
Montes de roupa
Para viver
Só para viver

Maria também lavava
A alma dos vizinhos
Era consultório
Dos desamados
Ela, a desamada

Maria sofria
Mas não dizia a ninguém
Queria um amor
Para se entregar
Mas não vinha o amor

Maria conheceu
Muitos homens
Mas nenhum agradou
É que eles queriam
Às suas custas viver

Maria chorava
E não encontrava seu príncipe
Fez juras, promessas
Aos santos e estes em troca
Mais dores lhe davam

Maria era fraca
Magrinha, feiosa
Mas alma tão boa
Igual nunca se viu
Na face da terra

Maria lavava
E pouco ganhava
Mas, coração grande,
Onde o mundo cabia
O dinheiro não via

Maria era boa
Boa demais
Para ser Maria
A todos queria
O rosto alegrar

Maria amparava
Aos aflitos que via
Só ela, coitada,
Nunca encontrou
O amparo sonhado

Maria lavava
E era pequena
Tinha olhos castanhos
Tão belos os olhos
Da pequena Maria

Maria morava
Num tosco casebre
De zinco, de lata
De sangue, de suor
Mas só de Maria

Maria morava
Pertinho do céu
Do alto do morro
Nas noites de estrela
Maria sonhava

Maria sonhava
Mil coisas bonitas
Queria um vestido
Cor de rosa
E com bolinhas azuis

Maria gostava
De vestidos assim
Todos rodados
E que fossem iguaizinhos
Aos das roupas das patroas

Mas Maria não tinha
Vestidos assim
Pois apenas usava
O da zurra, de toda a semana
E o de por no domingo

Maria era fraca
E muito tossia
Vivia molhada
Descalça, no frio,
Para o labor terminar

Maria comia pouco
Muito pouco
Pois bom ganho não tinha
E sumia de vista
A pobre Maria

Maria desejava
Um pouco do mundo
Para ser feliz
E o mundo fugia
Das mãos de Maria

E Maria chorava
Por que a vida era dura
Por que o mundo era mau
E as mãos estragadas
Os olhos cobriam

Maria era assim
Quando morreu
Era ela, ela só
Tão boa a Maria
Que o mundo esqueceu



   18-09-1963


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